segunda-feira, 25 de junho de 2012

O texto para o Blog


Há pouco, ao entrar na Unidade e depois de fechar a porta da rua, senti o frio do aço de uma lâmina no pescoço, como se alguém me quisesse fazer a barba por detrás. Estranhei o facto, pois tinha feito a barba de manhã. Foi então que escutei estas palavras que nunca esquecerei até à hora da minha morte e que me provocaram um profundo terror: “O texto para o blog?”. De quem seria aquela voz que me inquiria tão mordazmente? A quem pertencia a mão que firmemente me encostava a lâmina ao pescoço e me impedia de esboçar o mais pequeno gesto? Qualquer coisa dentro de mim me dizia «tu conheces esta voz; tu sabes quem é!». Eu bem me esforçava para visualizar um rosto, uma sombra, um odor que fosse. Uma fugaz lembrança que me permitisse desenhar uma face (de preferência em 3D) a que associar um nome. Contudo, estava paralisado com o medo. Ah… o medo! Imaginei que pudesse ser um assaltante anónimo, um meliante, um bandido, um cafajeste que me pretendia simplesmente roubar. Mas como saberia do blog? Como poderia saber desse mais sagrado segredo, tão bem guardado pelos meus antepassados e mesmo pelos meus descendentes nos séculos vindouros. Que inimigo poderia ser aquele? A frase tinha sido proferida de um modo tão frio, tão gélido, tão soturno, tão desprovido de emoção, tão… tão… que nem conseguia descortinar se se tratava de homem ou mulher, vegetal ou mineral, fictício ou real, nem bem nem mal. Por breves momentos a lâmina enterrou-se um pouco mais na carne, ficando no limiar do corte. Pude sentir o sangue a correr feito maluco pelas veias e artérias, aos berros, gritando por socorro. Um grito que ninguém ouviria decerto, pois tenho pele à prova de som e não havia vivalma ao redor de mim. Exceto ele. Ou ela. Ou vegetal ou… ah, já tinha dito isso. “O texto para o blog, não ouviste?!”, exclamou novamente. Mas como poderia eu ter tempo para escrever um texto para o blog? A minha vida é muito preenchida. Passo horas a olhar para o teto e a tirar macacos do nariz, atividade extenuante e que requer muita concentração. Cada vez que me olho ao espelho perco a noção do tempo, fascinado que fico com tamanha beleza, sentindo nessas alturas que deus existe. Todos os dias conto as células do meu corpo para saber quantas novas ele criou durante a noite. Sabem o trabalho que dá e o tempo que leva para contar só os neurónios? Bem, para alguns não leva tempo nenhum, coitados. Há uma miríade de coisas a fazer todos os dias. Há que comer e dormir; espirrar e tossir; coçar e festinhir. E os anúncios na televisão? Consomem tanto tempo. E tudo na televisão em todos os canais? Ainda por cima agora com o Euro 2012. Vejo todos os programas, leio todas as notícias. Quero saber tudo sobre a seleção, sobre as mulheres e os filhos dos jogadores, o que comem, como dormem, quantas vezes vão à casa de banho, enfim, tudo! A lâmina prometia começar a fazer sangue. Eu tinha sustido a respiração para não promover o mais pequeno movimento mas começava a ficar roxo; tinha que respirar! Pensei: se me projetar mui rápido para a frente talvez me consiga escapar da faca com apenas um pequeno corte. Poderei então rodar sobre os calcanhares e encarar o meu sequestrador. Poderei finalmente ver seu rosto e acabar com esta angústia angustiante que angustiantemente se começara a apoderar de mim. Coragem! A ideia de finalmente saber a identidade do monstro indigente, abstruso, oxidado e outros adjetivos esquisitos injetou-me uma valente dose de adrenalina no sistema e num gesto brusco, decidido e valente atirei-me para a frente. E num movimento gracioso, qual Nureyev um pouco barrigudo, qual Cristiano Ronaldo a girar e rematar à baliza, rodei sobre os meus próprios calcanhares, sim, é preciso que se diga, sobre os meus próprios calcanhares e encarei de frente quem tão torpemente, tão vilmente, tão indecorosamente, tão tudomente me tentara subjugar numa atitude de total falta de respeito pelos direitos do homem. Ora bolas! Era a Vanda!

Zé Paulo Couto e Santos

2 comentários:

  1. Parabéns Zé Paulo! Para além de bom compositor, temos escritor.
    Bem e já agora felicito a Vanda, pelos vistos sem esta valentona a meter medo ao Zé Paulo, não havia texto. Vou ter cuidado com ela....
    Manela

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    1. Obrigado Manela. Realmente escrever é outra coisa que gosto de fazer mas raramente faço. Quanto à Vanda, lá ando eu aqui a tentar não me cruzar com ela pois inflinge-me o mais profundo terror, como é óbvio. Beijinhos grandes.

      Zé Paulo

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